sábado, 31 de março de 2012

DESPERTAR

Acordou cedo como, aliás, era o seu costume.

Nesta história do deitar e do erguer apenas cumpria com uma parte do ditado: "Deitar cedo e cedo erguer... " porque, habitualmente, deitava-se tarde mas, quanto ao erguer cumpria-o na risca. E, como não era muito alto, e os ditados habitualmente são certos no que contêm - "... dá saúde e faz crescer", se não cresceu muito tinha, pelo contrário, muita saúde. Pelo menos não tinha dores, não se queixava de nada e nem comprimidos tomava.

Naquele dia, talvez por dormir em cama estranha, num lugar que não era habitualmente o seu, a verdade é que acordou ainda mais cedo e, sem ter nada que fazer, estar farto daquela cama macia de mais e daqueles almofadões que lhe faziam dor no pescoço, resolveu levantar-se e aproveitar o fresco da manhã para ir dar uma volta a pé.

A manhã estava ainda fria, o dia ainda não tinha acordado o suficiente para que o sol o iluminasse e aquecesse como conviria, mas deu para apreciar o despertar da natureza, o murmurejar das águas da ribeira, o acordar das aves, o latir dos cães das quintas, o badalar dos pequenos rebanhos de ovelhas e de cabras que, cedo na manhã, ia partindo, sozinhos, à procura de pastos ali por perto, o sacudir dos ramos das árvores ajudadas pelo vento de sudoeste a libertarem-se das gotas do orvalho da noite...

(do autor - a ribeira de Nisa, em São Bento)

À medida que ia percorrendo os caminhos da serra, com o capote vestido e apoiado num cajado, como se fora um caminhante, ou um romeiro no seu percurso à procura da fé, ia-se deixando envolver em pensamentos, em imaginares, construindo castelos de sonhos, abstraindo-se do ambiente.

E, só quando as irregularidades do terreno ou as pedras do caminho o faziam, quase, tropeçar é que acordava para a realidade do momento e lá voltava, de novo, ao murmurejo das águas, ao embalo dos badalos, aos agudos dos chilreios, ao rouco dos latires, ao pingar dos orvalhos...


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sexta-feira, 30 de março de 2012

O CORAÇÃO

"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que não se pode fechar de cheio..."

(Álvaro de Campos - A passagem das horas).

... um mundo de esperança, cheio de tudo...
(do autor)


... de sofrimento e de desesperode angústias e de interrogações, de lágrimas e de saudades, de dores e de apertos, de ternura e de amor, de olhares e de desejos, de sorrisos e de alegria, de entendimentos e de cumplicidade, de esperança e de confiança, de certezas...


... está cheio, este coração!


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quinta-feira, 29 de março de 2012

O VENTO

Quase Suão, a deixar a terra ainda mais seca, a inclinar árvores, a partir ramos, a lançar longe as pétalas de flores frágeis, a soprar secura, a uivar rajadas...

(O VENTO NA SERRA DE SÃO MAMEDE)
Ainda não é quente nem esfarela os ossos mas angustia e preocupa... a seca, esta seca, esta secura de tempo, este pó que queima, que faz chorar!

E quando o vento traz as núvens, quando pinga e faz que chove, traz uma chuva de águas brancas, leitosas, um pó de água ou uma água em pó, que não lava, que não molha, que só suja...

Será que Abril trará as águas mil?

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quarta-feira, 28 de março de 2012

DE PEDRA E CAL

(MARVÃO - GOOGLE Images)


"De pedra e cal é a cidade
Com campanários brancos
De pedra e cal é a cidade
Com algumas figueiras


De pedra e cal são
Os labirintos brancos
E a brancura do sal
Sobe pelas escadas


De pedra e cal a cidade
Toda quadriculada
Como xadrez jogado
Só com pedras brancas


Um xadrez só de torres
E cavalos-marinhos
Que sacodem as crinas
Sob os olhos das moiras


Caminha devagar
Porque o chão é caiado"

Sophia de Mello Breyner Andresen - Obra Poética - De Perda e Cal.

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terça-feira, 27 de março de 2012

DIA MUNDIAL DO TEATRO

Passa hoje mais um Dia Mundial. Este dedicado ao TEATRO.

Por coincidência, ou não - haverá coincidências? - tive, também hoje, o grato prazer de uma visita e de uma conversa tranquila com uma grande figura do nosso Teatro, o actor Sinde Filipe. Ao conversarmos sobre teatro, sobre novelas portuguesas e brasileiras, sobre José Régio, sobre Villaret, ao ouvir histórias deliciosas do seu percurso pelo mundo e ao receber o livro com poemas do Alexandre O'Neill, ditos por ele próprio Sinde Filipe, e com música do seu filho Laurent, certamente que enriqueci o meu dia.

Foi a melhor maneira de comemorar este Dia Mundial do Teatro.

(Google images)

Transcrevo a MENSAGEM OFICIAL DO DIA MUNDIAL DO TEATRO - 2012
(Google images)



Escrita por John Malkovich

Fico honrado por o IIT - Instituto Internacional do Teatro - me ter pedido para fazer este discurso comemorativo do 50º aniversário do Dia Mundial do Teatro. Vou então dirigir estes breves comentários aos meus companheiros de teatro, meus pares e meus camaradas. Que o vosso trabalho possa ser apaixonante e original. Que ele possa ser profundo, comovente, contemplativo e único. Que ele nos ajude a reflectir sobre a questão do que significa ser humano, e que esta reflexão seja guiada pelo coração, sinceridade, candura e charme. Que consigam ultrapassar a adversidade, a censura, a pobreza, o niilismo, que muitos de entre vós serão obrigados a enfrentar. Que sejam abençoados com o talento e rigor para nos ensinar sobre o batimento do coração humano, em toda a sua complexidade, e com a humildade e curiosidade que faça disto o trabalho da vossa vida. E que o melhor de vós próprios - porque só poderá ser o melhor de vós próprios, e mesmo assim apenas em raros e breves momentos -  consiga definir a mais fundamental questão "como vivemos nós"?
Desejo sinceramente que o consigam.



segunda-feira, 26 de março de 2012

IL GATTOPARDO

(Leopardo - do autor)


"... depois será diferente, mas pior. Nós fomos os Leopardos, os Leões; os que nos hão-de substituir serão os chacais, as hienas; e todos nós, os Leopardos, chacais e carneiros, continuaremos as julgar que somos o sal da terra."

Il Gattopardo, de Giuseppe Tomasi di Lampedusa.


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domingo, 25 de março de 2012

RODOVALHO OU PREGADO?

São ambos peixes chatos, não porque aborrecem os outros, ou são chatos de pescar, mas porque são achatados na forma, como um disco que se adapta ao fundo do mar.

Pertencem, ambos, à Classe dos peixes ósseos, à mesma Família dos Scophtalmidae, e diferem no Género e Espécie: Psetta maxima no caso do pregado e Scophtalmus rhombus, no caso do rodovalho. Há quem considere que o Género é o mesmo - Scophtalmus - mas as espécies são, mesmo, diferentes.

Tal como acontece com os restantes peixes chatos, como o linguado ou a solha, as larvas destes peixes são iguais à dos outros e vivem durante 6 meses no meio da água, até sofrerem uma metamorfose. Depois deixam de viver no meio da água corrente e começam a viver nos fundos e, para isso, o olho direito passa para o lado esquerdo, a boca migra também para o lado esquerdo e o corpo sofre uma compressão lateral acentuada até ficar plano. Estas modificações resultam numa extraordinária adaptação à vida de fundo, onde vivem junto à costa, semi-enterrados, com o lado esquerdo virado para cima, seja em fundos de areia ou rochosos, e desenvolvem, também, neste processo de metamorfose, a capacidade de camuflagem por mimetismo, ficando fora do alcance dos predadores.

O que distingue um do outro é o tamanho: o pregado é mais pequeno (51 - 100 cm), ao passo que o rodovalho anda pelos 100 a 200 cm.

(O Pregado)
O pregado é mais saboroso que o rodovalho porque vive junto à costa, na rebentação, em águas mais oxigenadas e revoltosas, donde resulta uma carne mais firme e com sabor.

Hoje não sei se comi pregado ou rodovalho, mas o que comi era bom, bem grelhado e muito saboroso. Pelo tamanho e pelo sabor devia ser, quase de certeza, um pregado que me deixou pregado à mesa, de papilas gustativas bem despertas e a salivar de prazer.


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sábado, 24 de março de 2012

ANIKI BÓBÓ

Faz agora 70 anos. Foi realizado pelo Manoel de Oliveira e produzido pelo António Lopes Ribeiro, em 1942.

O filme é baseado num livro de  João Rodrigues de Freitas, Os Meninos Milionários.

Aniki Bóbó era uma lenga-lenga que os miúdos cantavam nas suas brincadeiras de grupo, para saber quem ficava de polícia e quem ficava de ladrão.

O filme passa-se entre a Ribeira do Porto e Vila Nova de  Gaia, com o rio Douro de permeio, e conta a história de dois miúdos, em idade escolar, o Carlitos e o Eduardo, que gostam da mesma menina, a Terezinha. O Eduardo é galifão, atrevidote, ousado e brigão, o Carlitos é um menino de olhar doce, educado, tímido e sossegado. Por causa da menina do sorriso de encanto, a Terezinha, vai-se estabelecendo uma rivalidade séria entre o Carlitos e o Eduardo a tal ponto que, para lhe mostrar o seu grande amor, o Carlitos rouba uma boneca da montra de uma loja - A Loja das Tentações - conseguindo, assim, os favores e a preferência da Terezinha.

Tal simpatia valeu, ao Carlitos, um olho bem negro provocado por um soco bem aplicado pelo Eduardo. E o romance continuou até ao dia em que, do alto de um talude sobre a linha do comboio a vapor, o Eduardo escorrega e cai mesmo ao lado de um comboio que passava naquele momento.

Todos ficam a pensar que foi o Carlitos que o empurrou e todos se afastam dele, enquanto o pobre Eduardinho sofre na cama dum hospital. Ele bem o negava, mas ninguém acreditava, e até a Terezinha se afastou dele.

O desgraçado do Carlitos até pensou em fugir num barco que estava atracado no cais de Massarelos, mas, finalmente, tudo se esclarece porque o dono da Loja das Tentações, que andava a espiar o grupo a tentar descobrir quem lhe tinha roubado a boneca, assistiu à queda involuntária do Eduardinho, ilibando o Carlitos da acusação.

E tudo acaba em bem e os miúdos voltam, todos amigos, a jogar aos polícias e aos ladrões, iniciando sempre o jogo com a lenga-lenga do Aniki Bóbó...

      Aniki Bébé
      Aniki Bóbó
      Passarinho Tótó
      Berimbau
      Cavaquinho
      Salomão
      Sacristão
      Tu és polícia
      Tu és ladrão
      Eu não quero ser ladrão
      Berimbau-tau-tau
      Tenho medo da prisão
      Aniki Bébé
      Aniki Bóbó
      Passarinho Tótó
      Berimbau
      Cavaquinho
      Salomão
      Sacristão
      Tu és polícia
      Eu sou ladrão.








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sexta-feira, 23 de março de 2012

OLHAR O PASSADO

Se queremos construir o futuro temos de saber olhar o passado. Confúcio dizia: "Se queres prever o futuro, olha o passado".

E devemos olhar o passado para não cairmos nos mesmo erros, para sabermos extrair, com aquilo que aprendemos de bom e de mau, os conhecimentos que nos podem levar ao desenvolvimento, ao avanço, à construção de um futuro que seja melhor.

Olhar o passado para entender o amanhã. Olhar o passado para procurar a grandeza. Olhar o passado para saber da História, para explicar o porquê do presente, para preparar o futuro.

Olhar o passado sem saudosismos, sem procuras daquilo que não chegámos ou não conseguimos ser,  sem recriminações por causa do presente, sem tentativas de o levar para o futuro. 

"O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.", escreveu Pessoa





quinta-feira, 22 de março de 2012

REBUÇADOS PEITORAIS

Andava há dias com aquela tosse irritante, a sentir uma impressão na garganta, quase um ardor, com a necessidade imperiosa de tossir. Não tinha alternativa... se não tossisse ficava com aquele picar na garganta, que rapidamente se transformava num bloqueio, que nem o deixava falar nem respirar.

Tinha percorrido o calvário dos sintomas: primeiro apareceu com o nariz congestionado, a espirrar e com corrimento, depois a dor de cabeça, bem sobre os olhos, a seguir veio a irritação na garganta com dor e um pouco de febre, depois a descarga nasal abundante e, quando já tudo estava quase no finalmente, apareceu a tossícula que foi aumentando até chegar a este extremo de profunda irritação na garganta, com dor no peito e nas costelas e cansaço de tanto tossir.

Também percorreu a via sacra dos medicamentos: o antihistamínico, o antipirético, o antibiótico, o descongestionante, o anti-inflamatório, o expectorante e, por último, o antitússico. Mas, sem sucesso! 

Parece que, desta vez, a tosse era ainda mais irritante, obrigando-o a tossir estridentemente, quase com um timbre metálico e com a sensação que a garganta se iria romper se tivesse que tossir, assim, mais duas ou três vezes.

Para além dos medicamentos de farmácia ainda chupou pastilhas de mentol, esgotou o xarope cor-de-rosa da ervanária que tinha sobrado da última vez, tomou o chá de limão com gengibre e mel, gargarejou com água morna salgada, aplicou o colutório em nebulização, besuntou-se na garganta com o Vick's e aplicou  a flanela quente por cima... e, quando tudo parecia estar a acalmar, a tosse, de novo, a aparecer com força.

Agora só lhe faltavam os rebuçados peitorais, aqueles que lhe compravam quando se constipava! Nem sabe se ainda havia, por aí, à venda. Resolveu dar uma volta pelas velhas mercearias do bairro e lá os descobriu, quase todos, os do Dr. Bayard, os de Santo Onofre, os de São Braz e os de Seiva de Pinheiro. A mesma embalagem, o mesmo papel a embrulhar cada rebuçado, as mesmas cores... Nem sabia por qual deles começar, todos diziam o mesmo: todos eram os melhores para a tosse, rouquidão, catarro, bronquite e outras afecções do aparelho respiratório. E, à medida que ia saboreando cada um, foi recordando os sabores do alcaçuz, da menta, da seiva de pinheiro, do anis, do açúcar queimado... sabores que, faz tempo, tinha quase esquecido mas que hoje, devido a esta tosse persistente e irritante, voltou a descobrir e a apreciar.



A verdade é que a tosse continua a tossir mas agora já não liga muito... cada vez que tosse, abre a lata dos rebuçados e escolhe um deles: seiva de pinheiro? Santo Onofre?

 

quarta-feira, 21 de março de 2012

DIA MUNDIAL DA POESIA

Porque hoje passa o Dia Mundial da Poesia, pedi ao Torga um poema:


Aos Poetas


Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.


Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...


Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.


Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu
Mas sim do mosto que a beleza traz.


E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
De uma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.


Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.


Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pé no chão,
Que se calcem de sonho e poesia
Pela graça infinita da vossa mão.


(Sublime!)
  

terça-feira, 20 de março de 2012

PRIMAVERA

Começa hoje. De calendário e de Borda d'Água. Oficialmente!

Mas, na verdade, o que acontece é que o calendário assinala, os astros conjugam-se, o Borda d'Água tem impressa a data, e a Primavera quer lá saber de calendários, da astronomia, de Almanaques, de registos ou de ofícios e apenas vem quando bem lhe apetece, interrompe-se quando muito bem entende, sem ligar ao que o homem julga que determina, ao que os astros "equinociam", ao que os registos anunciam. E tudo por culpa do anti-ciclone, dizem!

Este ano (lectivo, entenda-se) tivemos o Verão esticado até ao fim de Outubro, depois, um arremedo de Inverno sem grandes ousadias e, desde há meses, um tempo seco, com sol de verão e frio de inverno. Uma baralhação! Um descontrolo!

As árvores a florirem precocemente, mas a não terem seiva capaz de originar rebentos fortes e saudáveis, os pólenes arredios, sem insectos para ajudar a polinização, quase incapazes de causarem espirros ou comichões.

Mas data é data e, como nas inaugurações, é preciso assinalar e cortar a fita!

Aqui em Lisboa a Orquestra Sinfónica Portuguesa tocou, em pleno Parque Eduardo VII, a Sagração da Primavera de Igor Stravinsky.

A minha Primavera, aquela de barro, feita pelas manas Flores de Estremoz, resolveu sair do escaparate onde costuma estar e veio, para o meio da sala, festejar o seu dia.

Está no seu direito! E eu festejo com ela!

(Primavera)

segunda-feira, 19 de março de 2012

DIA DO PAI





Porque hoje é o DIA DO PAI, porque não lembrar a oração que Cristo nos ensinou?


PAI NOSSO
QUE ESTAIS NO CÉU
SANTIFICADO SEJA O VOSSO NOME
VENHA A NÓS O VOSSO REINO
SEJA FEITA A VOSSA VONTADE
ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU


O PÃO NOSSO DE CADA DIA NOS DAI HOJE
PERDOAI AS NOSSAS OFENSAS
ASSIM COMO NÓS PERDOAMOS A QUEM NOS TEM OFENDIDO
NÃO NOS DEIXEIS CAIR EM TENTAÇÃO
LIVRAI-NOS DO MAL
AMÉN.

domingo, 18 de março de 2012

SABER PELA VIDA

Acordou ainda o sol não tinha despertado o dia.

Deixou-se ficar na cama à espera que o silêncio da noite fosse sendo, a pouco e pouco, substituído pelo acordar da natureza, pelo canto do rouxinol, pelo assobiar entre-cortado do melro, pelo ladrar dos cães à passagem das ovelhas, pelo miado faminto do Ouriço a lembrar que era a hora da ração...

Timidamente, o sol foi-lhe enchendo o quarto de luz e de cor, tornando o despertar da manhã em mais um dia de quase magia, um dia que, tinha a certeza, lhe iria saber pela vida!
(DO AUTOR)  

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sábado, 17 de março de 2012

SOL DE MUITA DURA

As nuvens ameaçaram, o vento refrescou e a humidade do ar subiu apenas um pouco mais de quase nada.

Sol, sim, de muita dura!

(do autor - Serra de São Mamede - Portalegre)

Lá longe, para os lados de Alegrete, dois chuveirinhos de água mansa, iluminados pelo sol do fim da tarde, deixaram-se apanhar em dois arco-íris, como riscados por lápis de todas as cores, um mais perto, outro mais distante, que gravitaram no ar durante algum tempo.

Desta vez, nem chuva, que tarda, nem duendes com potes de ouro, apenas um deslumbramento colorido a dar um pouco mais de alegria às terras secas de Alegrete.

Lembrou-se da história do menino, do velho e do pote de ouro, quando o menino pergunta ao velho da existência de um pote de ouro no fim do arco-íris e este respondeu-lhe "que sim, que havia, até, um de cada lado, e um deles maior e com mais ouro que o outro".

E perguntou ao menino com qual ficava, sabendo que o maior lhe iria dar "felicidade, riqueza e poder".

E o menino, prontamente, respondeu "o menor"!

E o velho, admirado, perguntou-lhe "porquê"?

E o menino disse: "Eu só quero a Felicidade".




sexta-feira, 16 de março de 2012

O PASSAR DA AVE!

Antes o voo da ave, que passa e não deixa rasto,
Que a passagem do animal, que fica lembrada no chão.
A ave passa e esquece, e assim deve ser.
O animal, onde já não está e por isso de nada serve,
Mostra que já esteve, o que não serve para nada.

A recordação é uma traição à Natureza,
Porque a Natureza de ontem não é Natureza.
O que foi não é nada, e lembrar não é ver.

Passa, ave, passa e ensina-me a passar!














Alberto Caeiro - O guardador de rebanhos (XLIII)



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quinta-feira, 15 de março de 2012

À JANELA

Era ali que costumavam estar as duas, mãe e filha, ou as três, quando se juntava a avó com a sua bem cuidada cabeleira branca.

Muitos anos de janela de rés-do-chão, num tempo em que ainda não havia televisão e era, através daquele rectângulo, daquela moldura azulada, com as portadas abertas e a persiana levantada, que o telejornal e as séries eram feitos de ver o cruzar das pessoas na rua, de cumprimentos e conversas de parapeito, das ambulâncias que passavam a apitar a caminho do São José, da algazarra dos alunos do Liceu de Camões, ou dos aprumados cadetes da Escola da Academia do Exército, na sua farda cinzenta, abrilhantada, em dias especiais, por uma espada reluzente.

(do autor, em Gomes Freire, Lisboa)


Quase sempre ao fim da tarde, e nas noites quentes de Lisboa, a janela abria-se para refrescar a casa do calor do dia e para que as duas, ou as três, se distraíssem com o passear das pessoas, com a passagem do autocarro 12, vindo de Algés para os Caminhos de Ferro, ou do 12A para Sapadores ou então, mais para os lados do Liceu de Camões, do 32 que vinha da avenida das Descobertas para o Hospital de Santa Maria. Num tempo em que a vida ainda era tranquila, os carros ainda eram poucos e havia sempre lugar para se estacionar, tempo em que a praça de táxis se enchia dos velhos Mercedes pretos e verdes, quando os eléctricos eram só amarelos, sem a publicidade agressiva e colorida de agora, e os autocarros eram verdes assegurando, por um bilhete azul de uma zona ou cor de rosa, de duas zonas, o transporte de toda a gente, num tempo em que o namoro de janela era um costume e a quase única permissão de se poder estar a sós, enquanto não chegava a autorização para se entrar em casa da prometida...

Quando a janela estava fechada era porque a menina tinha ido para a faculdade, ou estava a estudar para os exames, ou, então, tinham ido, as três, lanchar à Estudantina, ali bem perto.

Na Estudantina, os cadetes da Academia eram os frequentadores mais assíduos e faziam gala, como galos bem aprumados, em exibir as fardas impecáveis, as calças bem vincadas, o boné debaixo do braço e as luvas na mão, fazendo um contraste em movimento, com os manequins estáticos da montra do Senhor Ferreira, alfaiate, que ficava mesmo de frente à pastelaria. 

Os palmiers e os caracóis, bem cheios de frutas cristalizadas, e o leite com chocolate, a fumegar na chávena de faiança branca, eram o lanche mais apetecido. 

Uma troca de olhares, um jeito de apertar o nó da gravata, o livro de pneumologia que cai da borda da mesa para o chão, um levantar rápido do cadete da mesa ao lado que o apanha ainda no ar, os aplausos das mesas circundantes, e a jovem estudante de medicina a corar no agradecimento. 

A verdade é que a história acabou, mesmo, em casamento.

Hoje, ao olhar aquela janela, recordou a infância, a juventude, a vida de faculdade, a Estudantina, as fardas dos cadetes, o namoro de parapeito... uma vida que foi, em grande parte, vivida na moldura daquela janela.

Agora, fechada, a janela já não se vai abrir mais, nem para deixar ver, através dela, a vida que passa do lado de fora, nem para vislumbrar o viver que foi por dentro daqueles vidros.

Um tempo que se foi e se mudou para outra janela no dia em que, definitivamente, fecharam aquela.



quarta-feira, 14 de março de 2012

SONHADOR

(do autor)

De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos.

Fernando Pessoa

terça-feira, 13 de março de 2012

INDISCRETA

Dá para se sentarem três pessoas como num carrossel fixo à volta de um eixo, um carrossel que não gira mas que, em contrapartida, quem vai rodando são os que ali se sentam.

(do autor)
Boa para se contarem segredos, para se dizerem coscuvilhices, para se difundirem boatos, para se ouvirem mexericos...

Elas, de cabeleiras encostadas, ciciando aventuras e paixões ou maldizendo da vida dos outros, e eles, de charuto ou cálice de Porto na mão, aproximando as cabeças, sussurrando negócios, desvendando segredos de estado, apimentando encontros amorosos...

O nome destas cadeirinhas feitas numa só é "Indiscreta", e está tudo dito.

E cá vá uma indiscrição, esta pertence ao Museu do Romântico, na Quinta da Macieirinha, bem no centro do Porto.


segunda-feira, 12 de março de 2012

OS ROMENOS

Andam pela cidade, juntam-se aos magotes nos jardins e nas praças, logo pela manhã, definindo estratégias...

Os homens, andrajosos, mal barbeados, sujos, e as mulheres de saia comprida e lenço na cabeça, com cheiro de quem não se lava, algumas com uma criança ao colo e, todos, na mão, com um copo de plástico pronto a receber as moedas que as pessoas vão deitando.

Depois da conversa de grupo, espécie de definição de estratégias, dispersam-se e vão-se sentar, isoladamente, em frente aos cafés, às saídas dos supermercados, ou junto às bancas de jornais e, ainda, nos passeios mais largos, onde há passagem apreciável de pessoas. Sentam-se, de pernas cruzadas, com o copo diante deles, a rezarem um ladainha onde apenas se entendem as palavras "fome", "ajuda", ou "comer"...

(do autor)
 Não sei quanto tempo demoram a encher o copo de moedas ou, mesmo, se o enchem mas, quase de certeza que esse dinheiro não fica nas mãos de cada um, mas vai parar às mãos de um chefe de equipa que recolhe todo o dinheiro, e lhes deve dar, em compensação, comida e alojamento (será?) e vai entregar o grosso do dinheiro ao chefe do gang. Não sei quantas equipas funcionam por essa Lisboa mas, pela amostra do meu trajecto matinal, devem ser uns bons milhares. Também não sei quanto rende este negócio. Quase de certeza que deve valer a pena, caso contrário não haveria tanta pedinchice e eles já se tinham ido embora.

Esta manhã, ao passar por um grupo destes romenos, lembrei-me do Pátio das Cantigas e do Vasco Santana que também tinha um grupo de miúdos a pedir para o Santo António. Só que a diferença era que os miúdos pediam com convicção, porque era para o Santo, e eram pagos em bolachas Maria (se conseguiam cinco tostões) ou em línguas de gato (se eram mais parcos na colecta)... uma recompensa certamente mais doce que a paga, quantas vezes em pancada, dos romenos que não conseguirem atingir os objectivos acordados...

Uma forma urbana de escravidão humana que se está a transformar numa rotina da nossa cidade!


domingo, 11 de março de 2012

PRÉMIO DARDOS

Prémio Dardos!

A Maria João Falcão (http://falcaodejade.blogspot.com/) com a sua amizade, decidiu atribuir-me, em conjunto com outros 14 blogueiros, este Prémio



"O Prémio Dardos reconhece os valores que cada blogueiro mostra em cada dia no seu empenho por transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais... que, em suma, demonstram a sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre as suas letras, entre as suas palavras."
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Possui três regras:
1- Se aceitar, exibir a imagem.
2- Linkar o blog do qual recebeu o prémio.
3- Escolher 15 blogs para entregar o Prémio Dardos

E o prémio vai para:

http://falcaodejade.blogspot.com/
http://carlotapiresdacosta.blogspot.com/ 
http://oldfountainpensjustforfun.blogspot.com/
http://pelaestradafora.blogspot.com/
http://escritaepinturas.blogspot.com/
http://sobreorisco.blogspot.com/
http://portugalagoia.blogspot.com/
http://mendesferreira.blogspot.com/
http://fazeredesfazer.blogspot.com/
http://trepadeira-trepadeira.blogspot.com/
http://outsider-ana-abrantes.blogspot.com/
http://ventaniasrosadas.blogspot.com/
http://palaciodasvarandas.blogspot.com/
http://josespadafeio.blogspot.com/
http://diascaes.blogspot.com/









sábado, 10 de março de 2012

MASSA FRITA

Passou pelo Mercado de manhã e não resistiu!

A fila era longa, o balcão pequeno, e as duas senhoras que atendiam demoravam o tempo bastante para uma conversa de circunstância: eram os bons dias destes dias de sol e sem chuva, era o saber do filho da dona Josefa do Zé Parra e da nora que tiveram o acidente junto à variante, eram os casos de constipações e de gripe, com as febres altas, e as idas à urgência do hospital que estava a deitar por fora de tanta gente, eram as notícias sobre os mortos a mais por causa deste tempo doentio e da crise, eram, também, os que queriam levar meia-dúzia de boleimas de noz, mais quatro de canela, e três canudos de massa frita com muita canela e pouco açúcar, tudo em caixas separadas...

E a fila a aumentar e a engrossar, por força dos que iam aparecendo e cumprimentando, ao mesmo tempo que iam tendo, também, as mesmas conversas de circunstância.

Quando chegou a sua vez, quase desesperado por aquela espera, mas com os aromas acentuados e apurados pelo cheiro irresistível da massa frita e da canela adocicada, e o do café que, mais do que nunca, estava a precisar! Ele, que apenas ia tomar uma bica cheia e tentar não olhar para as boleimas, não resistiu e pediu duas bicas, uma boleima de noz e uma massa frita, cheia de canela e açúcar...

 E lá seguiu à procura de uma mesa, de tabuleiro em riste, cumprimentando com ar guloso todos os que, atrás de si, na fila, agora quase interminável, olhavam, com olhos invejosos e a salivar, não para ele mas para aquele tabuleiro cheio de pecados de gula e de aromas irresistíveis!



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sexta-feira, 9 de março de 2012

AS MIMOSAS

Já estão por todo o lado faz algum tempo!

O seu amarelo, inconfundível, pintalga a serra, criando ilhas e arquipélagos no meio do verde, e perfila-se ao longo das bermas das estradas criando um contraste forte com o negro do alcatrão.

(do autor)

Este ano, devido às condições deste clima sem chuva, que nos tem castigado, as mimosas perderam o viço e são menos abundantes e exuberantes, quer na cor, quer na desenvoltura. O amarelo vivo e forte, tornou-se um amarelo mais seco e mortiço.

Também os espirros que as mimosas costumam provocar se transformaram, este ano, em recatados assoares de lenços e em fungadelas pouco convincentes.

Oh Tempus, oh Mores!

quinta-feira, 8 de março de 2012

DIA DA MULHER

Passa hoje o Dia Internacional da Mulher.

De certeza que se vão lembrar as Mulheres célebres, que se vai falar da Margaret Tachter e do filme sobre ela, da Florbela Espanca e do filme sobre a sua vida que estreia hoje, os mais sensíveis à poesia e às artes vão falar, sempre, de Sophia e do seu mar, da Amália e do seu Fado Património, da Vieira da Silva ou da Paula Rego e da sua pintura, os que se prendem mais com os caminhos da solidariedade e da espiritualidade irão recordar a Madre Teresa e a Virgem Maria... e irão ser lembradas muitas outras mulheres que marcaram e deram exemplos de sensibilidade, de tenacidade, de espírito de sacrifício, de coragem, de sabedoria e de tanta coisa mais.

Todas estas mulheres passam pelo nosso espírito e pela nossa lembrança, assim como as mães, as mulheres e companheiras, as amigas, as colegas...

Mas hoje, porque é o Dia Internacional da Mulher,  lembro particularmente as mulheres que não são célebres, que não vêm nos jornais, que não são faladas por serem isto ou aquilo.

Lembro as Mulheres anónimas que, com o seu trabalho, a sua dedicação, o seu empenho, a sua luta, o seu equilíbrio, o seu amor e carinho constituem o garante de um mundo mais humano, mais fraterno e justo.

O meu OBRIGADO a TODAS as MULHERES!


quarta-feira, 7 de março de 2012

APPACDM

Celebra, este ano, em 18 de Abril mais precisamente, os 50 anos de existência.

É a Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental.



Deve-se a uma Mulher, Sheila Stilwell, a criação desta Associação. O quarto filho do casal Sheila e John Stilwell sofria de mongolismo e foi em nome dele (Bonny Stilwell), e de todas as crianças "escondidas" por vergonha, que Sheila lutou toda a sua vida.

Bonny nasceu em Portugal, na década de 50 do século passado, e os pais, de origem inglesa e católicos, a viverem em Lisboa há alguns anos, decidiram que o filho haveria de ter, tal como os três irmãos mais velhos, todas as oportunidades que lhe pudessem dar, ou mesmo mais direitos.

Depois de imensas dificuldades, de ultrapassada muita burocracia, de muita insistência, de muito fechar e bater de portas, e do abrir de outras, conseguiu que, a 8 de Novembro de 1962, fossem aprovados, por despacho ministerial, os primeiros estatutos da Associação Portuguesa de Pais e Amigos das Crianças Mongolóides (APPACDM) e, algum tempo depois, o primeiro Centro de Educação, no largo da Ajuda. Hoje tem o nome de "Bonny Stilwell", que morreu aos 32 anos, provando, em cada dia, que a sua vida, e o desafio que tinha lançado à sua família, tinha sido ganho.

Cinquenta anos passados a Associação orgulha-se em dar apoio a mais de cinco mil crianças a nível nacional.

Ainda há muitos (imensos) problemas por resolver, principalmente no apoio pós-escolar e na formação profissional.

Em tempos de crise, e de tanta dificuldade e incerteza, são estes exemplos de solidariedade e de apoio que nos fazem acreditar nas pessoas e na sua capacidade de entreajuda.

(Fonte - O Destak de 6 de Março de 2012)

terça-feira, 6 de março de 2012

LAMPREIA


Hoje foi mais um dia de ida à lampreia... à Lena, na Ortiga, junto à Barragem de Belver, no apeadeiro da estação do caminho de ferro.

(do autor)

A Lena continua a fazer uma das melhores lampreias que se comem por aí, um verdadeiro must... e hoje ainda melhor porque foi acompanhada por um excelente verde tinto de Ponte da Barca.

E o dia também ajudou, o sol foi o responsável pelo calorzinho, quase primaveril, e pela luminosidade que coloriu a paisagem em redor.

E estava tão boa, a lampreia, que até mereceu uma Ode:



Abençoada lampreia
Que és tão boa de comer,
Deixas-m’a barriga cheia
Sem mais nada que caber.

De arroz acompanhada,
Ou então à bordalesa,
Mais um pouco de salada
E fica composta a mesa.
Copos de bom vinho tinto,
Pelo menos, serão três!
Manda a regra, e eu não minto:
Beber um de cada vez!
Depois do tacho rapado -
Mas que boa refeição! -,
A um bom queijo amanteigado
Ninguém diz, nunca, que não!
Os doces com o café,
Pr’a dar o toque final,
E mais este auto de fé:
Não se comeu nada mal

 
E a despedida não vai ser até para o ano... talvez para a semana. 

Quem sabe?